No caminho, ao longo da rodovia, seus pensamentos corriam mais que o vento:
por que tudo isso estaria acontecendo? As coisas não poderiam ter sido mais fáceis? E agora? Ele, no carro, ela no hospital, a lembrança daquelas máquinas monstruosas de prolongar a vida não lhe saíam da memória... As lágrimas corriam, misturadas à poeira do vento seco do caminho.
Revoltado com tudo isso, parou o carro no acostamento. Encontrou uma
estradinha de terra. Devagar, como a seguir um féretro, entrou pela rota dos sitiantes. Subiu devagar a montanha, encontrou um mirante. Parou, abriu a
porta, e, num grito de dor e lamento, chorou. Ah, como chorou! Seu pranto
escorria pela porta do carro. Os pássaros, assustados, aquietaram-se nas árvores, contemplando aquele misto de dor e revolta. Parecia que todo o mundo fazia silêncio em respeito a tanta dor.
- Deus, por que? Por que? Por que? Por que tive que amá-la? Por que tive que vê-la? E agora, Senhor, o que fazer? E se tu a levares? O que será de mim? Eu já estava quase esquecendo, Senhor! Agora tudo volta a doer! Senhor, Senhor...
Cansado de tanto chorar, entrou no carro e deitou-se, estendendo o banco
para o fundo. Travou a porta, colocou uma fita de música clássica e desfaleceu. Ali estava um moço de valor, que amava e que lutava entre sua vontade e a vontade de Deus.
Sonhou durante o sono, no delírio da febre. Sonhou estar na igreja. Viu o pastor a pregar, e, ao seu lado estava Natasha, bonita e sorridente. Lá do púlpito o pastor dizia: "Aquele que amar mais à sua mulher, mais do que a mim, não é digno de mim - palavras de Jesus!" E, aos poucos, o sorriso de Natasha foi sendo coberto por uma neblina e desaparecia. Assim acordou.
Assustado e cônscio de que Deus falara com ele, pôs-se a orar, dizendo:
- Senhor, sei que é difícil, mas tenho que fazer isso. Confesso que estou revoltado, ó, Pai. Quero fazer a minha vontade, não a tua. Eu não estou conseguindo aceitar a tua vontade, caso seja a de levá-la embora! Sei que estou errado, Senhor, e sei que é isso que quisestes me falar. Senhor, sou teu servo e quero te obedecer. Se irás tirar a Natasha mais uma vez, tira-a, apesar de mim. Por mais que isso doa, Senhor, prefiro assim: não quero perder-te Senhor. Só me ajude e console o meu coração... Tu sabes o que será
melhor para ela, e também melhor para mim. Em nome de Jesus, amém.
Voltou a dormir.
Toca o celular.
- Alô?
- Luciano?
- Sim, sou eu.
- Aqui é o pastor, filho. Como você está?
- Bem mal, pastor. Mas sobrevivendo...
- Eu orei por você, garoto. Pedi a Deus para lhe fazer suficientemente forte para renunciar, se preciso for. Você quer conversar sobre isso?
- Pastor - disse, sorrindo o rapaz, - já o ouvi pregar agorinha mesmo no sonho, já renunciei a Natasha. Está doendo, mas estou em paz. Obrigado.
- Ótimo. Então volte pro hospital, Luciano. A Natasha acordou e saiu do estado crítico. Ela quer ver você...
- O QUE??? SÉRIO, PASTOR?
- Séríssimo. Vem com calma, mas acelera, filho...
Não levou hora e meia e Luciano estava entregando a chave do carro pro manobrista do hospital.
- E a Natasha? , perguntou à mãe dela.
- Filho, corre, ela está chamando por você! Vai, filho! Deus está agindo! Eu já a vi, mas ela teima que quer ver-lhe!
Agora o corredor do hospital era longo demais para ele. Se pudesse, daria
três passos em um, para chegar mais rápido e contemplar o rosto de sua amada. Seu coração estava disparado, pensava no que ouviria e no que diria. O suor lhe escorria pela face e as vistas estavam enfumaçadas. Correu a vestir o jaleco, o sapato de pano, as luvas e a máscara. Box 06. Lá estava ela, e três médicos palestrando. Ao olharem o rapaz, perguntaram:
- Você é o Luciano?
- Sim, doutor, sou eu. Por que
- Converse um pouco com ela. Ela gritou o seu nome por mais de meia hora e nos
deixou quase loucos! Isso é que é amor! Mas seja breve, ainda não entendemos essa súbita melhora. Temos que medicá-la novamente.
Aproximou-se do leito. Os lábios de Natasha estavam sangrados, a boca ferida, canos haviam saído da garganta, o pescoço estava com fios, braços e pernas com soro, sondas, enfim, uma cena dramática, mas não tanto quanto na última vez. Pelo menos o respirador artificial estava desligado, e em silêncio...
- Lu..cia..no.. me.u...a..mor....
- Fala, querida, eu estou aqui!
- Je..sus....veio..a..qui! Eu..vi!
Luciano deixou as lágrimas verterem de seus olhos, lágrimas quentes e profundas.
- Você estava sonhando, querida.
- Nã..ão, meu ..a..mor, Je..sus veio...me di..zer.. uma..coi..sa!
Um tanto alegre, mas também incrédulo, Luciano pergunta:
- E o que Jesus lhe disse, amor?
- Dis.se...que.. vo..cê..me ama..va e..que..es.ta...va... (cof! cof!) es..ta..va. orando lá..num sí..tio.. por..mim...e ..lu..tan..do ...para me renun..ciar..
Luciano gelou. Natasha completou:
- E..le.. me..dis..se..que..a.ceitou..a.sua..or.a..ção!
Agora ele estava arrepiado. Não só isso, ele estava com as pernas totalmente moles e adormecidas, num misto de medo e perplexidade.
- E sobre você, amor, ele disse alguma coisa?
- Dis.se..pa..ra....que..eu não ...pe..casse.. de nno..vo... - Natasha adormeceu.
- Natasha!!! Natasha!! Não morra!!!
- Calma, garoto - disse o médico - ela só adormeceu. Fique tranqüilo, mas saia agora, temos que seguir os procedimentos necessários.
E assim foi.
Natasha saiu do hospital em 20 dias. Sem explicação convincente, os médicos quiseram impetrar a si mesmos um erro de avaliação e diagnóstico,dizendo que pensaram que havia câncer onde nada existia, mas não sabiam explicar as dúzias de exames, de biópsias, de ressonâncias e de quimioterapias feitas. Claro, grande parte da medicina desconhece o poder de Deus, a misericórdia do Altíssimo. E um câncer desaparecido tem que parecer um mero "erro médico". Mas o milagre acontecera de fato...
Outra tarde, fim de expediente no escritório de Luciano, Natasha de pé em frente à escrivaninha de trabalho dele.
Luciano, de agora em diante eu viverei cada dia como um milagre do Senhor, e
viverei apenas e tão-somente para a glória dele.
- Que bom, Natasha! Espero que você seja feliz! Orarei sempre por você!
- Luciano...
- Fale, querida.
- Quero pedir só mais uma coisa.
- Se eu puder atender...
- Eu quero me casar com você e ser a sua mulher, a sua companheira, e servir ao Senhor ao seu lado. Eu te amo! Me perdoe por tudo que fiz!
Era tudo o que o rapaz queria ouvir. Sorridente, abriu a gaveta da
escrivaninha e tirou uma linda boneca de porcelana, numa casinha de papelão, idêntica à primeira, presenteada quando começaram a namorar. Levantou-se, entregou-lhe a boneca, abraçou sua amada pela cintura, trazendo-a para junto de seu rosto, e lhe disse, com um brilho jamais visto em seu olhar:
- Eu perdôo você e quero recebê-la como minha esposa, amor. Eu te amo!
- Também te amo, querido!
Não se podia descrever o que era mais bonito e brilhante; se o brilho do sol da tarde, clareando toda a sala pelas vidraças, ou se o brilho do beijo de Natasha e Luciano, ao som da mais linda música que o mundo pode ouvir: o palpitar de dois corações apaixonados. Aliás, apaixonados por Deus primeiramente, e, por causa do Senhor, apaixonados um pelo outro...
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O resto?
Bem, essa já será uma outra "PÁGINA SOLTA"...
Ainda tinha muitas coisas que vos escrever; não quis faze-lo com papel e tinta, pois espero ir ter com vosco e conversarmos de viva voz para que a nossa alegria seja completa.
A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.
Esse texto foi postado em 16/02/2004 no site LETRAS SANTAS (antigo).
terça-feira, 13 de maio de 2008
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1 comentários:
Eu já li as primeiras páginas de "Um Caminho a Arguir" e fiquei curiosíssimo para conhecer a continuação da história. Sei que irei me emocionar, Naasom é talentoso e sabe contar uma boa história.
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